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TCU contrariou área técnica ao autorizar penduricalho de juízes estendido a ministros
Foto: Gabriela Biló
Os ministros do TCU (Tribunal de Contas da União) contrariaram, por unanimidade, um parecer técnico da corte que chamava de irregular um pagamento de penduricalho —criado para juízes federais e do Trabalho — e que defendia a interrupção dos pagamentos.
O benefício permite o aumento em cerca de um terço da remuneração mensal desses magistrados e recentemente foi estendido aos próprios ministros do TCU.
Em 13 de dezembro, os ministros do TCU passaram por cima de um parecer da Unidade de Auditoria Especializada em Pessoal do tribunal, que constatou a existência “de robustos indícios de irregularidades” no benefício. A área técnica do TCU chamou o pagamento de “peculiar e totalmente desproporcional” e pediu a sua imediata suspensão, por medida cautelar.
De acordo com os técnicos da corte de contas, a medida tem potencial de representar um dano ao erário de cerca de R$ 865 milhões, já que pode abranger quase a totalidade da magistratura ativa da União.
Apesar disso, o ministro Antonio Anastasia, relator do processo, disse que deveria “ser outro o encaminhamento” e pediu o arquivamento do caso. A sugestão foi acatada pelos demais ministros.
A análise foi feita a pedido do Ministério Público no TCU, que contestou resoluções aprovadas pelo CJF (Conselho da Justiça Federal) e pelo CSJT (Conselho Superior da Justiça do Trabalho) que aumentaram a renda de magistrados.
Segundo essa medida, juízes que acumulem funções administrativas ou outras atividades “processuais extraordinárias” terão direito a uma “licença compensatória na proporção de três dias de trabalho para um de licença, limitando-se a dez dias por mês”.
Têm direito a esse benefício magistrados que coordenam conciliação, dirijam escola de magistratura ou fórum federal, sejam conselheiros dirigentes de associação, sejam da cúpula dos Tribunais Regionais Federais ou que auxiliem a cúpula, entre outros.
Os magistrados que não desejarem tirar essas folgas vão receber por elas, e os tribunais devem pagar esses valores por meio de indenização, sem incidência do Imposto de Renda.
Na prática, parte dos juízes federais poderá receber um valor de cerca de 30% do seu salário bruto mensal com esse penduricalho. O benefício foi estendido aos ministros do TCU porque a Constituição prevê que a corte de contas tenha equiparação de prerrogativas e direitos com o STJ (Superior Tribunal de Justiça).
O TCU não faz parte do Poder Judiciário, embora exista a comparação constitucional de direitos. O tribunal é um órgão de controle externo do governo federal que auxilia o Congresso Nacional a acompanhar a execução orçamentária do país.
O STJ aprovou em novembro a criação do benefício baseado em resolução do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) em 17 de outubro –primeira sessão presidida pelo ministro Luís Roberto Barroso– que equipara os direitos e deveres do magistrados aos do Ministério Público. Como revelou a Folha, essa resolução provocou um efeito cascata.
Os técnicos do TCU avaliaram que “não precisa esforço para perceber violações e ofensas aos princípios constitucionais da razoabilidade, legalidade, moralidade” nas citadas licenças compensatórias, e a sua subsequente possibilidade de conversão em dinheiro.
Ainda afirmaram que isso pode “configurar em artifício para se extrapolar o teto remuneratório constitucional, em face de uma eventual generalização dos pagamentos de até 1/3 do subsídio dos magistrados, contrariando os termos da Constituição”.
O relatório também diz que a resolução do CJF (Conselho da Justiça Federal), ao dispor sobre a acumulação de funções administrativas e processuais extraordinárias por magistrados federais de primeiro e segundo graus, “inovou no sistema jurídico”, criando uma gratificação que não está prevista em lei.
“Percebe-se, assim, que ambas as resoluções criaram gratificações novas, mediante uma retórica de assimetria entre carreiras. Frise-se, não há direito originário em lei que possa servir de justificativa para a suposta assimetria”, afirma.
Além disso, os técnicos disseram que é somado a tudo isso “o grave fato de que tal vantagem foi criada mediante total desconhecimento do Parlamento”.
Segundo a auditoria, a concessão de vantagens remuneratórias a determinada carreira deve estar prevista em lei específica, devendo se submeter à adequada discussão legislativa sobre a matéria, apreciada pelo Poder Legislativo.
“[A resolução] afastou-se das exigências constitucionais e do debate democrático a que se devem submeter o emprego de verbas do erário, principalmente aquelas dirigidas ao pagamento de agentes públicos”, diz o documento.
Acrescentou que os fatos noticiados na representação podem ser considerados de alto risco, relevância e materialidade, cabendo o prosseguimento do processo, mediante atuação direta do TCU.
Já Anastasia alegou que as medidas replicam, com alguns ajustes, uma resolução do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) que já é tratada em outro processo e que teve medida cautelar negada no mesmo sentido.
Interlocutores da corte disseram que a divergência entre ministros e técnicos “existe em muitos casos” e que “auditores em geral são engenheiros, não juristas”.
Ministros afirmam que não havia como o tribunal derrubar a medida porque ela abarca uma instrução normativa, assinada pelo presidente do STF. O TCU não teria competência para contrariar uma norma dessas, segundo eles.
O subprocurador-geral do Ministério Público junto ao TCU, Lucas Furtado, havia afirmado, em sua representação, que são ilegais as duas criações de benefícios aprovadas pelo CJF e CSJT (Conselho Superior da Justiça do Trabalho).
“Não é competência do CJF ou do CSJT estabelecer, através de resolução própria, o aumento de vantagens a serem percebidas pelos juízes”, disse.
Folha de São Paulo